O Xadrez e a Vida

             As nossas ações e as consequências, como num jogo de xadrez

– É interessante a influência do nobre esporte do xadrez no decorrer dos milénios. Abaixo está um pronunciamento realizado no ano de 1948 para os Cadetes da AMAN, repleto de bons ensinamentos e, apesar dos anos, as belas lições ali expostas continuam atuais, principalmente nestes tempos onde a corrupção, a falta de ética e moral  são características contundentes desse capitalismo mutante com reflexos em toda as camadas sociais.

CONFERÊNCIA PRONUNCIADA EM 1948 NA ESCOLA MILITAR DAS AGULHAS NEGRAS (RESENDE) POR OCTÁVIO FIGUEIRA TROMPOWSKY DE ALMEIDA

Senhores Cadetes da Escola Militar,

Foi para mim motivo de intenso júbilo e maior emoção o convite que recebi para comparecer a este admirável educandário.

É que meu pai, o finado Marechal Roberto Trompwsky Leitão de almeida foi durante 30 anos professor desta Escola e eu recordo-me perfeitamente das suas preocupações, do seu perene esforço para desempenhar satisfatoriamente a sua função de mestre.

Foi o inesquecível Benjamin Constant que trouxe meu pai para a cátedra: o fundador da República, professor insigne, quis com esse gesto provar a sua amizade para com aquele que, como seu aluno e mais tarde adjunto, dera o mais cabal desempenho aos seus deveres.

Meu pai nasceu em Florianópolis, no ano de 1853; ainda não tinha completado oito anos de idade quando faleceram meus avós, e ele e meu tio Oscar, mais jovem dois anos, viraram repentinamente órfãos, com precários méis de subsistência.

Rumaram os dois meninos para o Rio de Janeiro, com uma carta de recomendação dirigida ao meu futuro avó materna, o conselheiro Domingos de Andrade Figueira.

Pouco teve este que se incomodar com os meninos; desde o começo revelaram eles uma firme resolução de estudarem e abrirem caminho na luta pela vida.

Meu pai e meu tio foram de fato alunos notáveis; todos os seus mestres o reconheceram, tendo mesmo alguns deles se manifestaram entusiasticamente. Aos méritos do aluno juntou mais tarde, meu pai, os do professor; ainda existem no Exército alguns dos meus discípulos; todos aqueles que conheço dizem que ele era o protótipo do mestre.

Conhecedor profundo da Matemática, que era a sua matéria, nenhum dos seus ramos escapou à sua investigação e sobre todos discorria fluente e abalizado. Era de ver-se aquele gigante com um metro e noventa de altura, peito largo, musculoso, esgrimando-se com um pequeno pedaço de giz, diante do quadro negro; enchia-o de fórmulas e demonstrações, apagava e tornava a encher com espantosa rapidez.

A sua aula, que por essa razão era uma verdadeira ginástica intelectual, tinha, no entanto, a recomendá-la a mais completa explanação do assunto pelo método mais eficiente.

Em 2 de setembro de 1926, um outro grande pedagogo, o Marechal Marques da Cunha, amigo e admirador de meu pai, em sessão “in-memorian” ao se completarem trinta dias de seu passamento, assim se expressava:

“Foi, com efeito, o professor na impecável precisão de linhas severas, na competência inescedível de profusos conhecimentos, na farta messe de um ensino perseverante, no prodígio de atividade mental não interrompida pelo peso dos anos e os lazeres da disponibilidade — que se impôs nos meios acadêmicos, científicos, no seio da classe, como um dos máximos expoentes da intelectualidade nacional.

Os que foram seus discípulos, os que com ele provaram, colegas do magistério, recordam-se certamente de como Trompowsky realizava o protótipo do mestre sábio e infatigável!

Pontificava nas horas de aula como um sumo sacerdote perante o altar — cheio de fé e de confiança na fecundidade de tão elevado ministério.

Era de fato um verdadeiro crente, profundamente convicto das verdades cientificas que enunciava e transmitia aos discípulos com o calor de um apostolado incorruptível.

Assumia na cátedra atitudes dominantes, austeras cônscio do seu saber, na completa familiaridade das mais transcendentes questões da Análise e da Geometria Geral.

Embrenhava-se, com insuperável competência e manifesta satisfação, nas mais sutis abstrações da Álgebra Superior e Cálculo Infinitesimal. Quando discorria sobre as concepções que alicerçam a ciência matemática ou sobre assuntos sujeitos à controvérsia, sentia-se toda a força de seu espírito impregnado de rigor e exatidão.”

Senhores Cadetes, se estou agora aqui vos falando sobre o meu pai não é apenas com o intuito piedoso e saudoso de reavivar-lhe a memória – esta não se apagará tão cedo, basta-lhe os quatro volumes em que concatenou as sua lições e que creio são familiares a todos os senhores: A Álgebra Superior e as Geometrias Algébricas, Integral e Diferencial —, é sobretudo porque acredito que o seu exemplo deve ser conhecido para ser imitado.

Como aluno, ele era um desses raros obstinados, que não só a aula e o compêndio oficial não conseguiam satisfazer, mas que, conhecendo o caminho das bibliotecas, correspondia-se também com os mais doutos, estivessem estes perto ou longe, perguntando ou pelo menos tentando esclarecer is mais variados problemas.

Compreendam, senhores, esse aluno assim teria que redundar no professor que ele foi: sereno e imperturbável., mas consciencioso e dedicado! Sempre foi esforçado e incansável!

Iniciaremos agora a nossa palestra sobre o xadrez, mas não se admirem que eu venha falar sobre um jogo depois de referir-me a coisas tão serias quanto às ciências matemáticas.

O xadrez é também uma ginástica do intelecto.

É uma arte complicada, com certa teoria, que lhe dá foros científicos. A esse respeito conta-se que em certa ocasião o grande matemático e filósofo francês Henri Poincaré, foi procurado por um adolescente, órfão, doente e analfabeto, que lhe pediu auxílio. Por intermédio de um amigo arranjou-lhe o sábio um emprego de “garçom” no célere “Café de La Regence”, o templo do xadrez parisiense. Dois anos mais tarde, Poincaré, que costumava jogar xadrez com seus amigos em sua casa, e que sempre os batia folgadamente, foi levado por um deles ao “La Regence” e, na falta ocasional de outros parceiros, aquele humilde “garçom” dispôs-se a jogar uma partida com o grande sábio. O resultado já todos os senhores prevêem: Poincaré foi batido, uma, duas, três vezes, até que, desapontado, foi-se embora, jurando nunca mais ali pôr os seus pés!

Desse dia em diante passou a ser um adversário irredutível do nobre, afirmando, dentre outras coisas, que para se jogar bem não era necessário ser inteligente.

“Vejam só – dizia ele —, sou professor, um matemático, e, no entanto, perdi vergonhosamente para um analfabeto!”

Mas Poincaré um dia ficou espantado quando lhe mostraram uma biblioteca de tratados de xadrez e quando alguém lhe explicou que a sua derrota era coisa muito natural, pois a prática dele entre amigos igualmente “pichotes” estavam longe de valer a prática conseguida num ambiente como o de “La Regence”, onde pontificavam os profissionais e amadores de primeira classe. Aquele rapaz que o tinha vencido era penas um amador de terceira categoria.

A verdade, senhores, é bem outra. O xadrez sendo um jogo artístico, naturalmente, para que algum praticante consiga destacar-se, precisa ter um dom, qualquer coisa de inato, ou então terá que estudar, e muito, se quiser passar da mediocridade.

Nem aqueles que têm o dom deixam de se esforçar para progredir, estudaram como os outros, pois ser um campeão não é tarefa assim tão fácil, como pode parecer e o xadrez evolui tão rapidamente, que quem não estiver a par das inovações será presa fácil nos “matchs” e torneios.

Vamos agora à nossa palestra.

O XADREZ E A VIDA

Senhores, suponhamos que seja absolutamente certo depender certo dia nossa vida e nosso bem-estar do resultado de uma partida de xadrez. Estaremos todos de acordo que neste caso seria um dever aprendermos não só o nome como também a marcha das diferentes peças.

Certamente desaprovaríamos severamente o pai que deixasse seu filho, ou o Estado que permitisse ao cidadão crescer sem distinguir um peão de um bispo…

No entanto, é uma verdade clara e elementar que a vida mais feliz de cada um de nós, assim como de todos os que nos rodeiam depende do conhecimento que tivermos das regras de um jogo infinitamente mais complicado que o xadrez. É uma partida que se repete desde os mais remotos tempos, cada pessoa é um dos parceiros, o tabuleiro é o mundo; as peças, os fenômenos do universo; as regras do jogo são o que chamamos as leis da Natureza. O outro, nosso parceiro, joga escondido, mas sabemos que seu desempenho é sempre leal, justo e paciente. No entanto, em nosso detrimento, sabemos também que ele não nos perdoa a menor falta e não faz qualquer concessão à ignorância.

Ao vencedor, ao que combina bem, os mais desejados prêmios estão reservados e são entregues com essa espécie de generosidade transbordante pela qual os fortes mostram a alegria da força realizada!…

Ai daquele que joga mal!

Sobrevém o mate! Sem precipitação mas … inexorável!

Analisemos algumas regras:

1º — Procura sempre jogar com adversários de força ligeiramente maior que a tua, pois é precisamente pelos erros cometidos — ao notar a habilidade do parceiro em explorá-los — que melhor se aprende.

Na vida também é assim. A melhor mestra é a experiência, tudo o que aprendemos — quando crianças, todos os ensinamentos paternos e dos sistemas pedagógicos, não são suficientes para nos garantir uma vida serena e feliz.

Só os nossos erros nos corrigem!

Passamos então a analisá-los, recordamos as diferentes peripécias, ganhamos experiência e aumentamos a nossa eficiência.

2º — “Peça tocada, peça jogada”, deve ser uma sentença irrevogável para quem deseje sinceramente progredir, além de demonstrar firmeza nas decisões.

Os irresolutos, os superficiais, os diletantes, serão sempre os vencidos da vida.

Ai daquele que não sabe tomar uma atitude; que não encontra a sua vocação ou que, fraco de vontade, não empreende um estudo ou um trabalho dignificante.

3º — Procura aprender todos os princípios de partida, sem contudo, sobrecarregar a memória com numerosas variantes , pois infinitamente mais necessário é entender o espírito estratégico de cada uma das aberturas, e só a prática intensa poderá então, repentinamente, fazer surgir essa diretriz.

A época dos teóricos já passou; hoje em dia é necessário aliar a prática à teoria; isso, aliás, é um puro conceito acaciano.

Pasmam os irrefletidos e se indignam os imbecis, quando por acaso homens cheios de dogmas culturais vegetam miseravelmente neste mundo!

É que eles esqueceram o sentido prático da vida, o “Primo vivere deinde filosofare” tão edificantes dos italianos.

4º — Joga indistintamente com as brancas ou negras buscando sempre a iniciativa, isto é, o controle da partida; saibas, no entanto, defender-te com calma, acreditando sempre no equilíbrio da posição e não te deixando impressionar por ataques precoces.

Entre os inúmeros grandes observadores da vida que nos deixaram preciosos escritos, destaca-se Montaigne.

Nascido em 1533, nos arredores de Bordeaux, sul da França, viveu cerca de sessenta anos dedicando-os em grande parte a escrever os seus célebres Ensaios.

Ninguém ignora que essa obra encerra conselhos admiráveis, magníficas ponderações que nos alentam e que nos predispõem a um “savoir vivre” mais eqüitativo e tolerante.

O século de Montaigne, sob muitos aspectos, bem pode ser comparado ao nosso; o banditismo campeando impune por toda a parte naquela época, tem estreita relação com a difusão maléfica de certas idéias revolucionárias de hoje em dia.

Creio firmemente ser útil e recomendável à leitura dos Ensaios; muitos problemas que nos parecem difíceis, muitos percalços quotidianos, Montaigne nos ajuda a enfrentar com serenidade, sábia argúcia e intrépido valor.

5º — Seja qual for o teu temperamento: ardente, vivo nervoso ou timorato, positivo ou negativo, intuitivo ou dedutivo — saibas dominar-te, pois assim poderás melhor fazer valer as tuas qualidades e o adversário terá poucas probabilidades de explorar os teus defeitos.

A vida pertence aos calmos, aos impassíveis, quando saibam aliar a atividade à cultura.

Mas … como não podemos escolher o temperamento que desejamos, só nos resta procurar modera-lo, quando atrabiliário, ou estimula-lo, quando depressivo.

6º — Não sejas pessimista ao ponto de considerar a tua causa como perdida antes de começar a partida, mas também não peques pelo extremo oposto, subestimando a força do teu adversário. Há sempre dois graus de força: a que se tem realmente e a que muitas vezes se imagina ter!

Não te iludas nem de desiludas facilmente. Pessimistas ou otimistas são ambos errados.

Nem tudo é negro na vida, nem tampouco tudo é cor-de-rosa; há meios tons, o azul, o verde, o amarelo, o violeta e o escarlate! Se este não é o melhor dos mundos, também não é o pior deles!

Sejamos ponderados e razoáveis; é tão falso julgarmos tudo mau e a terra um covil de bandidos como achar que tudo vai bem e isto por aqui é um ninho de anjos! Os eternos descontentes, assim como os enfatuados, são igualmente indesejáveis!

7º — O bom tom em xadrez exige, para tornar agradável e correto um parceiro, que se não demonstre um excessivo amor-próprio, ares altaneiros ou hipócritas. Anuncia os teus cheques sem gritar e os teus mates sem escarnecer; move as tuas peças tranquilamente; os lances feitos com rudeza e espalhafato estão sempre longe de ser os mais eficazes.

Não perturbes as reflexões do adversário quando lhe toca a vez de jogar, não fales nem critiques seu jogo. Não procures tampouco influenciá-lo hipocritamente, fingindo tristeza ou alegria; ou olhando exclusivamente para um lado do tabuleiro, quando no outro é que esta o perigo. Não te deixes dominar pela excitação do jogo; não ponha os dedos no tabuleiro nem agites mãos ou pernas durante a partida. É extremamente ridículo cantar ou assobiar durante a luta; não pegues as peças já caídas do tabuleiro, fazendo-as darem cambalhotas entre os dedos. Tudo isto incomoda o adversário e não é certamente cavalheiresco.

Não leias cartas ou jornais durante a partida, pois isso importa num gesto de pouco caso quanto aos méritos do parceiro.

Sê polido com os “perus”, não deixando, no entanto, de observar-lhes que seus “palpites” são supérfluos e que além de atrapalharem as atuas reflexões, eles só conseguem falsear o resultado da pugna. Se fores espectador, conserva-te calmo e silencioso, observando cuidadosamente a modo de jogar dos disputantes, suas tendências, suas falhas ou suas qualidades; talvez sejam teus adversários amanhã.

Lembra-te de que até o grande Lasker, que foi campeão do mundo durante mais de um quarto de século , estudava, observando o jogo de seus futuros desafiantes.

A polidez é uma virtude hoje em dia muito desprezada; indivíduos de certo nível cultural e que, portanto, deveriam ter noções de educação, fazem proa de uma grosseria pasmosa, um “sans façons” de estarrecer, que nos espantam quanto não nos enojam!

São aqueles que não desconfiam de coisa alguma, sempre prontos a blasonar sobre os seus direitos, jamais sobre os seus deveres. Aqueles, enfim, que ignoram completamente a verdade primária de que a liberdade de cada um cessa quando invade as comodidades alheias.

Frutos dos tempos atuais, dirão os observadores mesmos perspicazes; moléstias antigas argumentarão outros que ainda se lembram dos “Sans Culotes” da Revolução Francesa.

8º — Mantém sempre uma atitude esportiva. Saibas ganhar com modéstia, sem replicar as observações mais ou menos azedas do adversário que acabou de perder a partida. O que, no entanto, mais necessário se torna é saber perder com bom humor não procurando escusas, as quais, se bem que quase sempre sejam fáceis de encontrar, são invariavelmente más, psicologicamente falando.

As vitórias morais não se contam; acabas de perder uma partida, procura tirar algum ensinamento, alguma experiência, pois nisso já vai o primeiro passo para o revide.

Felicita o teu vencedor simplesmente, sem grandes efusões e sorrisos que poderiam parecer irônicos, ou também demonstrar uma vaidade incomensurável!

Saber viver, saber dirigir o espírito na senda do progresso, eis a dificuldade! Escolher o caminho, desimpedir e desembaraçar a trilha. Arrojar-se para frente com os olhos fixos no ideal a atingir!

Tudo isso é tão sublime!

O mais freqüente obstáculo é a preguiça; raros sabem combate-la. Está ela sempre desaconselhando qualquer esforço, procurando diminuir o valor ou o mérito da nossa possível realização. Outro obstáculo é o tempo. São raros os que empreendem algum estudo, algum combate contra a rotina, porque quase todos julgam escasso o tempo disponível! É um terrível engano! Qualquer tempo, qualquer quarto de hora, qualquer minuto, pode ser o ponto de partida para as melhores e mais ambicionadas vitórias, assim como para os mais redentores e desejáveis estímulos, para a tolerante compreensão da vida!

9º — Entre os vários axiomas necessários para se levar a bom termo uma partida, destacaremos os seguintes: nunca respondas imediatamente a um lance; joga com reflexão, examinando cuidadosamente todo o tabuleiro antes de pegar qualquer peça.

Pode haver alguma armadilha no lance de aparência pacífica que acaba de jogar o teu adversário.

Não baseies o teu jogo em armadilhas; o otimismo que nos leva a acreditar que o adversário “não será capaz de descobrir” é demasiadamente suscetível de causar grandes desilusões.

Mais sábio é ter como certo que o parceiro jogará o lance mais indicado. A correção do teu jogo aumentará muito com esta orientação e os teus planos substituirão vantajosamente as ciladas. Persevera em teus planos; sê, no entanto, pronto a reconhecer os defeitos que seriam capazes de comprometer tua posição; há quase sempre meios de reparar uma afoiteza. Procura julgar objetivamente cada posição, com prudência, mas sem ser por demais meticuloso. O mistério do “lance mais forte” que escapa muitas vezes aos mais argutos não esta sempre no lance mais sólido, e quase nunca no mais audacioso.

Não ate impressiones com lances imprevistos; sejas tenaz procurando reorganizar rapidamente os teus planos ofensivos ou defensivos.

Não procures lances ou planos demasiadamente complicados; perdem-se às vezes os mais competentes nas malhas da barafunda engendrada.

Saibas concentrar às tuas peças com habilidade, e se bem que o sacrifício de algumas delas só deva ser levado em conta de possibilidade, quando pelo raciocínio se puder chegar a um lucro positivo, não hesites em sacrificá-las para obter em troca um ganho de espaço ou de tempo que te possa trazer a esperança bem fundada de um resultado satisfatório. Não simplifique demasiadamente o jogo com trocas; a arte de trocar peças ou, melhor, a “técnica da simplificação”, da qual, como dizia Alekine, ainda recentemente se falava com uma condescendência algo desdenhosa, conta por muito aperfeiçoamento do jogador.

Deve ser evitada qualquer simplificação que desembarace o jogo do adversário ou que envolva a troca de uma peça já desenvolvida por outra que ainda não está em plena ação.

São em geral bem indicadas as simplificações quando proporcionam ganhos de tempo ou espaço, ou mesmo para se guardar a iniciativa.

A vida é uma arte a exercer e uma tarefa a concluir.

É preciso ser tolerante para com todas as suas formas, curioso de todos os seus aspectos, alerta a todas as suas supressas, quase sempre mais penosas que agradáveis, sempre procurando resolver o enigma que determina os fatos. Se somos obrigados a aceitar a vida tal qual ela é, necessário se torna, no entanto, esforçarmos-nos por fazê-la evoluir tal cujo nosso ideal a desejaria.

Todo ser humano deve ter um ideal com o qual tenda a se identificar, e o ideal supõe justamente o aperfeiçoamento e o futuro.

O próprio desse magnífico ideal é de elevar sempre acima da mais alta e mais perfeita realidade, de reconhecer e sentir os seus defeitos e exaltar-se em busca de meta mais sublimada!

10º — As sessenta e quatro casas do tabuleiro são muito desiguais em valor estratégico. As casas do centro são, naturalmente, mais importantes e eficazes: o primeiro desígnio estratégico da partida será, portanto, ocupar ou dominar o centro. Não te esqueças do adágio que nos diz: muitas vezes mais vale o domínio de um ponto que a ocupação do mesmo. Trata de conseguir liberdade de movimentos par as tuas peças, colaboração eficaz entre elas, e então recorre aos meios táticos, se os estratégicos falharem, para se assenhorear da posição preponderante.

Dentro dos numerosos males que assoberbam o Brasil, o analfabetismo de 70 por cento dos seus filhos é, talvez, o pior de todos.

A ignorância é um terrível mal!

Estamos à espera de um Sarmiento Salvador, alguém que compreenda claramente depender a cura dos demais males da redução daquela percentagem.

É que o homem que não lê e que, portanto, nada sabe torna-se presa fácil dos elementos, expostos a todos os perigos; não pode se defender, vive como um bruto, um selvagem, por vezes esperto como uma raposa ou daninho como um tigre, por outras doente e miserável, marcado pelos estigmas degradantes e pelas taras e complexos depressivos!

Dizem que eles são malandros; ficamos a imaginar que nome feio, que epíteto merecerão os que, podendo combater tão tremendo mal, nada fazem ou tão pouco agem, que aos poucos nos vamos tornando o escárnio da latinidade!

11º — Um elemento essencial ao sucesso em xadrez é o “tempo ganho”; evita, pois, tanto quanto possível, os lances inúteis, principalmente no início da partida, quando um tempo perdido pode dar uma vantagem sensível ao adversário.

Desenvolve as tuas peças harmoniosamente e com rapidez; não de cheques supérfluos, que só poderão melhorar a posição do rei adverso; examina a força latente dos lances tranqüilos e lembra-te que muitas vezes “a ameaça é mais forte que e execução”.

Um elemento essencial ao sucesso na vida é o “tempo ganho”; evita, pois, tanto quanto possível os desperdícios inúteis dos teus preciosos minutos, principalmente no início da carreira, quando um tempo perdido pode dar uma vantagem decisiva aos teus concorrentes!

12º — Mais vale fazer um plano duvidoso que não fazer nenhum; toda partida é uma obra criada, um combate entre dois cérebros, duas concepções; trata, pois, de formar quanto antes o teu plano.

Desconfia do brilhantismo, amando a simplicidade; os supremos artistas são modestos em suas pretensões.

Desconfia também, e, sobretudo, dos lances ou planos de aparência plausível; nem sempre respondem eles pelas necessidades reais.

Segundo o teu temperamento, serás jogador de ataque ou de defesa. No primeiro caso, naturalmente, irás à caça do rei adverso; não te esqueças que é muitas vezes mais fácil atacar os pontos fracos do campo contrário.

Recomendo-te vigiar com um dos olhos a casa 7 “B” quando o teu adversário ainda não tiver roçado, e 7 “T” quando já o estiver.

Pensa também nos ataques indiretos, nas direções táticas, nas ameaças contra peões isolados ou dobrados, pois hoje em dia só uma ínfima parcela de partidas terminou por ataques diretos à cidadela real.

Se fores jogador de defesa, não te contentes com uma excessiva passividade e procura o meio reconhecidamente mais hábil de se defender, que é o contra-ataque.

Saibas reconhecer os defeitos do teu temperamento. Uma estratégia brusca é quase sempre pouco hábil e uma estratégia passiva ainda é pior!

Há que jogue xadrez e quem jogue com as peças de xadrez como simples brinquedo.

Faze um esforço tenaz e sério para te aperfeiçoares, que os frutos não tardarão!

Deves apreciar o dom da análise, a alegria de burilar uma combinação, os magníficos resultados do raciocínio baseada na mais pura lógica e os esplendores da imaginação que, com seu vastíssimo e inesgotável campo, te oferece o Rei dos jogos.

Para terminar esta palestra, que vai longa, eu peço licença para fazer-vos uma pergunta um tanto indiscreta: os senhores já foram ver a biblioteca de Rui Barbosa?

Os que não foram que não tardem em fazê-lo!

Lá naquele templo da sabedoria encontram-se milhares de livros todos anotados.

É uma frondosa marginalia denotando o esforço do Titam! Todos os ramos científicos lá se misturam com a literatura mais variada. Grossos dicionários, crivados de referencias, compêndios de Matemática e Astronomia, também cheios de ponderações e comentários.

No entanto, a “Águia de Haia” um dia escreveu esta fase lapidar: “Quanto mais leio e estudo, mais eu me certifico da vastidão da minha ignorância”!

Senhores, nenhum dentre nós pode, em cultura, comparar-se a Rui Barbosa, mas pelo esforço quotidiano, podemos sim … fazer ver que o seu exemplo ficou … e que será duradouro, pois o nosso escopo não é outro que trabalhar dentro da ordem pelo progresso do BRASIL!!

Referência: 

– Ver sobre Octávio Figueira Trompowsky de Almeida:  

http://www.tabuleirodexadrez.com.br/octavio-trompowsky.htm

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