sexta-feira, 1 de agosto de 2008

A SOCIEDADE CRIMINÓGENA

- Nas palavras de GIORGIO DEL VECCHIO:

"O crime não é simplesmente um fato individual pelo qual deve responder, de modo exclusivo, seu autor, para repará-lo; é também - e precisamente nas formas mais graves e constantes - um fato social que revela desequilíbrios na estrutura da sociedade onde se produz. Em conseqüência, suscita problemas muito além da pena e da reparação devidas pelo criminoso".

- Um senhor visivelmente descontente com a escolinha onde deixava o seu filho por algumas horas teve a grata felicidade de reparar que o garotinho de três anos estava adquirindo hábitos nocivos, os quais deixavam a mostra o fracasso do estabelecimento escolar na complementação da sua educação social. Preocupado, o pai retirou o garoto da escola. A criança ficará agora aos cuidados de uma babá analfabeta.


- Outrossim, o pai e a mãe trabalham na área industrial para garantir o sustento da família. Quando saem para o trabalho ainda é madrugada, a criança está dormindo e quando voltam a noite a criança já está dormindo. O que podemos esperar dessa criança na sua formação social?

- Por essa vertente, um pesquisador conviveu com uma família de miseráveis da periferia. Observou que a família era desajustada, desagregada e carenciada. Mãe analfabeta, pai morto por policiais por ter furtado uma garrafa de cachaça e um quilo de feijão, duas tias analfabetas (uma de 12 anos e a outra com 13 anos), ambas grávidas, as quais não sabiam quem era os respectivos pais. No local existiam mais três crianças (sobrinhos) órfãos e dois primos adultos. Todos viciados em entorpecentes. O pesquisador viu apenas miséria, alimentação precária, promiscuidade na mísera moradia de 22 m2, desemprego e subemprego. Perspectivas de futuro? zero.

- O descrito acima é apenas uma pontinha do iceberg. A situação social, moral e ética, não apenas das famílias pobres mas também da classe média, vêem se deteriorando a passos largos nas últimas décadas por contingência do modelo de vida criado pelo atual sistema capitalista predatório e altamente concentrador de rendas.

- Com o enfraquecimento gradativo do núcleo familiar, o qual em tempos passados conseguia proporcionar bons costumes e impunha limites para os jovens, o atual modelo está a produzir uma sociedade altamente criminógena, desumanizada, predadora do meio ambiente e de si mesma. As conseqüências já não estão mais no quadro da ficção. Basta ler o noticiário policial diário; observar os miseráveis agrupados nos semáforos das grandes cidades, onde a maioria são de crianças e adolescentes; observar o fracasso do sistema educacional e da saúde gerenciado por letrados chefes de governos; observar as toneladas de lixo devastando o meio ambiente e empurrando para a extinção milhares de espécies da flora e fauna do planeta; observar a falta de saneamento vergonhoso generalizado nas cidades, os quais produzem todo o tipo de doenças e contaminações diversas do lençol freático; ver as favelas carenciadas sem a presença do Estado. Todos esses fatores e muitos outros são algumas das causas que estão a fomentar a criminalidade e podem colocar em cheque o nosso curto período democrático.

- Nesse sentido, as autoridades, grande parte demagogas e corruptas, estão mais preocupadas com os efeitos purulentos produzidos pelo modelo capitalista segregador, o qual mantém, em muitos países, formas sutis de escravagismo. Elaboram leis e mais leis penais, ampliam a punição e as multas. Modernizam as cadeias para o empilhamento de seres humanos, nas quais esses excluídos jamais serão ressocializados, pois muitos os consideram uma espécie de subprodutos de uma sociedade capitalista moderna. Falam que está na hora de elaborar um novo código penal. Alguns defendem abertamente a pena de morte e outros a prisão perpétua. As autoridades não atinam, ou não querem atinar, que em outros países, com um ordenamento jurídico altamente severo, incluindo a cadeira elétrica, injeção letal e prisão perpétua sem chance de liberdade condicional, não conseguem debelar o aumento da criminalidade. Não atinam que nesses países de primeiro mundo a maioria dos condenados são latinos americanos, pretos e asiáticos. Só nos EUA existem mais de dois milhões de prisioneiros e mais alguns milhões sob algum tipo de controle de liberdade. Na prática um país dentro de outro país. O sistema prisional deles é um exemplo a ser seguido? Infelizmente já está sendo exportado para outros países.

- É sábio lembrar que na Idade Média o ordenamento jurídico em muitos casos determinava que o criminoso fosse esquartejado vivo ou torturado, durante dias, em praça pública, sendo que o povo era obrigado a assistir tudo por força de lei, com o objetivo de inibir o surgimento de novos crimes. Com um ordenamento jurídico desse porte os crimes diminuíram? Não, ao contrário, aumentaram cada vez mais para o desespero dos que detinham o poder. Tratavam apenas os efeitos com a aplicação do terror penal generalizado. Esse ordenamento jurídico medieval ajudou no surgimento da Escola Clássica que se preocupava mais com os efeitos. Ainda hoje, apesar do surgimento da Escola Positiva que preocupava-se mais com as causas da criminalidade, a legislação moderna continua voltada mais para os efeitos do que para com as causas geradoras dos crimes.

- E assim, já estamos fechando quase uma década da entrada do século XXI, as autoridades continuam tratando apenas dos efeitos, mas não querem ver as causas geradoras dos crimes. É uma hipocrisia estarrecedora e desconcertante, já que existem soluções reais para a eliminação das causas, mas esses remédios profiláticos pouco são debatidos e pouco se faz de concreto.

- Falam em modernizar o arcaico Código Penal de 1940. Nesse contexto deveriam de articular também um Código Preventivo Penal. Caberia ao Estado localizar as áreas suscetíveis que estão a gerar criminosos e tomar as medidas sociais justas e perfeitas. Isto seria aplicado para todas as classes sociais, pois a rica também gera criminosos através da corrupção crônica e pelo distanciamento dos pais para com os filhos. Eles (os pais ricos) geralmente estão mais preocupados em ganhar mais e mais dinheiro e manter o status, custe o que custar, do que achar um tempinho para estreitar os laços familiares, fortalecendo os valores sociais humanistas, estabelecendo limites para os seus filhinhos ricos e descompromissados, os quais muitos deles, no futuro, darão continuidade ao sistema vigente.

- Por essa vertente, a classe social mais abastada nos tem dado provas cabais do esfacelamento familiar. Alguns casos tiveram muita repercussão na mídia por serem membros da classe média alta. Vejam o caso da Suzane, a qual mandou o namorado matar os pais a pauladas; as pérfidas desavenças da família do político Antonio Carlos Magalhães (conhecido por seus detratores como Toninho Malvadeza) após a sua morte; o da menina Isabela defenestrada, a que tudo indica, pelo próprio pai; dos pedófilos ricos que podem tudo; dos menininhos ricos que atearam fogo e mataram o índio Gaudêncio na capital  do Brasil apenas para se divertirem etc. Punição? Sem comentários. As causas que originaram essa mentalidade criminosa? Pouco se fala, pouco se pesquisa.

- Quem ainda procura manter uma família dentro dos moldes da ético, da moralidade e dentro das poucas crenças religiosas sadias enfrenta grandes dificuldades para ter um convívio fraternal mais acentuado com os filhos, impondo os limites, os costumes e desenvolvendo as virtudes humanizadas em seus filhos. Poucos são os pais cônscios que tentam desde cedo lapidar as arestas da pedra bruta existente no âmago dos seus infantes. Além do mais, os pais enfrentam uma concorrência desleal, o sustentáculo do sistema capitalista gerador de novos e degradantes costumes: a mídia televisiva, vinte e quatro horas por dia assediando os imaturos jovenzinhos com seus programas fúteis de violência, novelas sensuais, para não dizer “putaria barata” e impondo a eles um consumismo desvairado, pois o capitalismo da Nova Ordem Mundial sobrevive apenas dessa maneira.


É bom que se saiba, que esses canais de televisão não passam de concessões públicas que dependem da renovação da licença pelo governo de período em período.


Nesse sentido há um certo receio, pois alguns estudiosos do assunto chegam a afirmar que a mídia televisiva é conhecida como o 1º poder. Quem são os donos? Se pesquisarem terão surpresas.

- Não é necessário ter uma bola de cristal para prever que o aumento da criminalidade fará com que a própria democracia mude. Em pouco tempo poderemos ver o surgimento de regimes de opressão e desta vez apenas de extrema direita. A democracia será apenas para o gozo de poucos que estarão isolados por barreiras repletas de seguranças fortemente armados e muros eletrificados para se protegerem das hordas de excluídos. Na prática já temos uma espécie de balcanização e um apartheid em andamento, pois os miseráveis de muitas periferias e favelas das grandes cidades já vivenciam um regime de terror, de abandono, de opressão e de genocídio sistemático dos seus próprios filhos gerenciado, sutilmente, pelo Estado que se diz democrático e social.

- Em suma, pelo exposto, e por muito mais, é necessário a criação de um programa de governo que esteja realmente voltado para as causas sociais, que determine a criação de uma legislação preventiva e programas sociais capazes   de extinguir os focos criminógenos endógenos e exógenos de todas as classes sociais. Um sistema que não fique atrelado apenas na impunidade dos criminosos  das classes sociais abastadas, no hipergarantismo de criminosos ricos, na repressão policial, judiciária criminal ou executiva penal, normalmente destinada às classes sociais mais baixas.

- Gosto de sonhar, embora o sonho fenece a cada dia que acordo e olho ao meu redor.

Um comentário:

Anônimo disse...

Obrigada. Sempre fui contra a criminalização de pobres analfabetos e marginalizados pelo cruel sistema social, e, em conseqüencia, sou contra a pena de morte, a mais covarde crueldade imposta aos criminosos e até a doentes mentais. Tudo não passa de genocídio, de limpeza étnica. O mundo é dos ricos, o resto que se dane, o sistema capitalista é anti-humano, o ser humano é gregário, social, amistoso, mas o sistema nega isso, em vez de compartilhar, homens são levados a competir. Compartilhei seu texto e espero que alguns poucos leiam e pensem a respeito. Julia Veiga