quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O RETRATO DE UM ATENDIMENTO MÉDICO


          Nesse fim de semana, na madrugada do domingo, acompanhei uma criança, de um ano e meio, com muita dor e aos prantos, para ser atendida no único Hospital exclusivamente para crianças, na cidade de Boa Vista.
          Nesse ínterim, antes de chegar a essa instituição de saúde, a avó, profissional da área da saúde, já tinha feito um exame de percussão, o qual indicava a possibilidade de uma otite.
          Esse hospital é mantido pelo poder público municipal por meio dos altíssimos impostos pagos pelos contribuintes ao município, ao Estado e ao governo federal.
           Ao chegar ao respectivo hospital, já se via o desleixo no saguão de espera, onde circulavam nuvens de milhares de mosquitos do gênero aedes, transmissores da febre amarela e da dengue I, II e III. Tal fato me chamou bastante a atenção pelo descaso das autoridades, mas o pior ainda estava por vir.
         O médico de plantão que atendeu a criança fez a ausculta. No exame de percussão sentiu que poderia ser otite a causa que gerava tanto choro e dor, porém, para a surpresa dos acompanhantes, não utilizou o otoscópio. Ao ser inquirido por um dos parentes, a qual é enfermeira graduada, alegou apenas que o equipamento estava quebrado e que não possuía outro.
         Enfim, após um exame muito superficial, a criança acabou tomando apenas uma injeção de dipirona intramuscular para dor e, o pior de tudo, saiu do hospital sem nenhum diagnóstico. Qual seria o real motivo para que esse médico não gerasse o diagnóstico? Teria esse médico condições de prescrever o medicamento adequado para o caso? Ficou com receio do que?
         Obviamente, em menos de duas horas, cessando o efeito do calmante ministrado, a criança voltou a chorar intensivamente, sentindo muita dor e apresentando um estado febril, já na casa dos trinta e oito graus.
         Desta vez, foi levada pela avó para outro estabelecimento público de saúde do Estado, no qual, por acaso, havia um médico com especialização em pediatria de plantão e, o melhor de tudo, era conhecido da família. O mesmo atendeu a criança de maneira impecável. O diagnóstico foi certeiro, apontando uma aguda otite (inflamação no ouvido) localizada pelo exame de percussão no ouvido e, logo após, certificado pelo otoscópio.
          É interessante observar que a avó da criança realmente estava certa em seu diagnóstico prévio, porém, como enfermeira, não pode fazer a prescrição dos medicamentos.
         Enfim, a criança foi medicada com remédios adequados receitados pelo pediatra e em questão de algumas horas já estava voltando à normalidade, para o alivio da mãe e dos parentes.
        Posteriormente foi detectado que o médico que deu o péssimo atendimento no hospital da criança, sem gerar um diagnóstico, não era pediatra e sim apenas um clínico geral e, pelo visto, bastante negligente. Como pode um clínico geral dar atendimento em um hospital somente para crianças e ainda mais estar de plantão à noite? E o equipamento quebrado? Um hospital desse porte com apenas um otoscópio? Estão querendo enganar a quem? Estão brincando com a vida das crianças? As respostas são óbvias.
         Na verdade, o que se passou com a criança é apenas uma ponta do iceberg nesse imenso Brasil. A realidade das condições de atendimento nos hospitais públicos desmascara a verdadeira face da grande maioria dos governantes das inúmeras cidades brasileiras, bem como de médicos mal preparados e, muitos dos quais, sem a devida residência médica. Tal fato ajuda a contribuir para o grande aumento do erro médico.
         Obviamente, Boa Vista está também incluída nesta ciranda macabra, a qual provoca óbitos e outras seqüelas permanentes causadas pela negligência, imprudência e imperícia de médicos oriundos de faculdades de pouca qualificação.
         Além do mais, por mais que se fale, não há justificativas plausíveis para atendimentos médicos tão medíocres, negligentes e com falta até mesmo de equipamentos básicos em hospitais e quando eles existem muitos são de péssima qualidade e, o mais importante, muito bem subfaturados pelos conchavos realizados nos bastidores da corporatocracia com o poder público à custa do erário público.
           Nesse sentido, as pessoas que possuem a riqueza do conhecimento e uma visão ampliada de cidadania sabem perfeitamente que a arrecadação dos impostos que os brasileiros pagam é uma das maiores do mundo e o retorno é envolto em um mar de corrupção e sem punição rigorosa para os criminosos de colarinho branco.
         Afinal de contas, neste País, só é preso quem quer. Basta ter dinheiro, prestígio ou ser político.
          Em Roraima não é diferente, pois já foram denunciados desvios milionários da área da saúde e o denunciante acabou sofrendo ameaças anônimas, tendo que contar com a proteção da Policia Federal, de acordo com a publicação de uma mídia local, obviamente, ainda não corrompida, pois teve a coragem de publicar.
         E, assim, vamos levando a nossa vida, em meia a tantas denúncias e impunidades, reforçadas pela negligência, imprudência e imperícia na área da saúde e em outras áreas.
         Outrossim, o mais interessante é que os verdadeiros culpados, políticos e apadrinhados de políticos, não estão nem aí para o que a mídia irá publicar, pois já sabem que irão se reeleger assim mesmo, ou, na pior das hipóteses, irão ganhar, dos seus padrinhos, importantes cargos estratégicos dentro da estrutura governamental municipal, estadual ou federal. Irão participar intensamente desta falsa democracia que estamos vivendo.
         Por fim, o reflexo de tudo isto está exatamente na educação pública ministrada, na saúde oferecida ao povo, como no caso da criança atendida no Hospital do município, além do descaso hipócrita para com o crescimento geométrico da criminalidade e da corrupção dos grandes figurões da política brasileira. É o retorno implacável e triunfante do Grande Gatsby, em meio a uma sociedade decadente de valores morais e éticos.

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